Percy Fawcett e a Cidade Perdida Z: O Indiana Jones que Desapareceu na Terra do Roncador
- Simão Pereira Aguiar
- há 3 dias
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As histórias contadas neste texto são baseadas em relatos históricos, documentos e lendas sobre Percy Fawcett e suas expedições. Alguns detalhes permanecem envoltos em mistério, refletindo tanto a realidade quanto as histórias que atravessaram gerações. Esta matéria integra a série “Lendas Vivas de Goiás”, dedicada a resgatar e valorizar os contos, mistérios e belezas culturais do nosso estado.
Percy Fawcett em Pelechuco, em 1911
Em 1925, enquanto Hollywood nos presenteava com aventuras cinematográficas, a vida real já contava sua própria história de mistério e coragem. Percy Harrison Fawcett, coronel inglês e explorador incansável, preparava-se para partir em uma expedição rumo ao desconhecido coração da Amazônia, acompanhado apenas de seu filho Jack e de um amigo. Antes da partida, comprou seu chapéu Stetson favorito, embalou suprimentos, armas e instrumentos musicais, e deixou para trás sua mulher, Nina Paterson, e os outros filhos, com a certeza de que poderia nunca mais voltar.
A motivação de Fawcett era tão fascinante quanto perigosa: encontrar a lendária Cidade Perdida Z, sobre a qual lera ainda jovem nos documentos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Segundo relatos do século XVIII, essa cidade teria existido em algum ponto do sertão brasileiro, cheia de ruínas e mistérios, possivelmente guardando riquezas esquecidas. Para o coronel, mais do que ouro ou prata, tratava-se de desvendar o passado de uma civilização perdida, uma obsessão digna de um verdadeiro Indiana Jones.
Assim que chegou ao Brasil, Percy Fawcett foi recebido pelo presidente da República, Epitácio Pessoa (1865-1942), que organizou uma reunião com o renomado Marechal Cândido Rondon (1865-1958). O encontro, no entanto, foi tenso e nada amistoso.
Rondon deixou claro que o Brasil não precisava de estrangeiros para conduzir expedições em seu território. Já o presidente explicou que estava apenas atendendo a um pedido do embaixador inglês, Ralph Paget, para apoiar Fawcett em sua viagem ao Mato Grosso. O marechal sugeriu que Fawcett fosse acompanhado por uma comitiva brasileira, visando segurança e conhecimento local. O explorador inglês recusou:
"Pretendo ir sozinho. Uma viagem com muita gente tem os seus inconvenientes."
Persistente, Rondon propôs que, ao menos, Fawcett fosse acompanhado por um civil ou militar de confiança do governo. Mais uma vez, não houve acordo. Fawcett deixou claro que, se não pudesse ir sozinho, não iria.
A certa altura, Rondon começou a desconfiar de que o objetivo real de Fawcett ia além de descobrir uma civilização perdida talvez estivesse em busca de ouro e prata. Quando questionado sobre o percurso da expedição, Fawcett respondeu apenas:
"É sigiloso. Não posso revelar."
Com isso, o encontro se encerrou. Rondon, resignado, apenas desejou sorte ao explorador:
"Faço votos para que tenha boa sorte."
Sua viagem começou no Rio de Janeiro, passou por São Paulo e Corumbá, e finalmente chegou a Cuiabá, de onde a verdadeira aventura se desdobraria. A cada dia, desafios inesperados: cavalos caindo em rios, bois morrendo de exaustão, rios transbordando, mosquitos implacáveis e a constante ameaça de perder o rumo na floresta. Fawcett, incansável, continuava, convencido de que cada dificuldade o aproximava da verdade que buscava.
Foi nessa fase da expedição que Fawcett descobriu a Terra do Roncador, uma região repleta de serras misteriosas, rios tortuosos e densas florestas que pareciam sussurrar segredos antigos. Segundo os habitantes locais e relatos indígenas, ali residiam sinais de civilizações que desapareceram sem deixar rastros, e lendas sobre cidades escondidas, repletas de ouro e pedras preciosas. Para o coronel, a Terra do Roncador não era apenas um obstáculo geográfico, mas uma pista crucial para encontrar a Cidade Z. Entre planícies silenciosas e montanhas imponentes, Fawcett seguia cada indício, registrando mapas e notas detalhadas, determinado a provar que a região guardava algo extraordinário.

Em 15 de maio, Fawcett e sua equipe chegaram ao posto indígena de Simões Lopes. O chefe Valdomiro cedeu a escola para que descansassem. Havia oito indígenas do Xingu — cinco homens, duas mulheres e uma criança, da etnia Batovi. Jack Fawcett aproveitou para registrar tudo em fotos, oferecendo doces e trocando um colar de conchas por algumas caixas de fósforo. Durante o dia tirava fotos; à noite, revelava-as nas águas do rio Paranatinga.
No dia 19, Jack completou 22 anos. Para comemorar, seu pai improvisou uma pequena festa com música, flauta, banjo, violão e vinho de caju. Na ocasião, Fawcett conheceu Yamarã, chefe da etnia Mehinako. Apesar de tentar convencê-lo a acompanhá-lo, Yamarã recusou, avisando que certos povos da região, como os chamados “índios morcegos”, não toleravam invasores e poderiam ser perigosos.
Determinados a continuar, Fawcett comprou comida, dispensou os peões e seguiu sozinho em direção à misteriosa Cidade Z. No dia 21, despediu-se do Posto Bakairi e rumou para o chamado Campo do Cavalo Morto. Oito dias depois, escreveu sua última carta para Nina: “Você não precisa temer nenhum fracasso” — palavras que seriam suas últimas. A correspondência chegou até Cuiabá, mas, desde então, não se teve mais notícias de Percy, Jack ou Raleigh Rimell.
Há especulações de que possam ter visitado outras aldeias indígenas, como as dos povos Kalapalo, Nafukuá e Suiá, mas nada foi confirmado. Agentes do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) fizeram buscas, sem encontrar pistas. Antes de partir, Fawcett pediu a Nina que, se algo acontecesse, não enviasse missões de resgate, e tinha o hábito de deixar pistas falsas para despistar possíveis seguidores.
O desaparecimento de Fawcett permanece um mistério. A hipótese mais aceita é que ele tenha morrido por inanição, doenças ou ataques de animais ou indígenas. Porém, sem provas concretas, tudo continua em aberto. Alguns grupos, como a Sociedade Brasileira de Eubiose, ainda acreditam que Fawcett e Jack possam ter encontrado a Cidade Z e permanecido lá, possivelmente liderando uma comunidade secreta.
A história de Fawcett nos lembra que a vida real, às vezes, pode ser mais extraordinária do que qualquer filme de aventura. Entre coragem, obsessão e mistério, ele se tornou o Indiana Jones da vida real — um homem disposto a desafiar a selva, o tempo e o desconhecido em busca de algo que ninguém jamais comprovou.
Se Percy Fawcett estivesse em cena como Indiana Jones, talvez respondesse, sorrindo para os perigos: "Talvez eu morra, mas hoje não". Só que, no caso dele, o final permaneceu, intrigantemente, em aberto.
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