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Nelson Rodrigues: O Anjo Pornográfico que Expôs a Alma Brasileira

Nelson Rodrigues não apenas escreveu peças, romances e crônicas: ele desnudou a alma brasileira com todos os seus segredos, desejos e hipocrisias. Chamado de “Anjo Pornográfico”, foi capaz de transformar o cotidiano em tragédia e poesia, e de mostrar a vida como ela é, sem máscaras. Redescobrir sua obra é revisitar um Brasil profundo, que insiste em se repetir, e compreender por que Nelson segue sendo indispensável para a nossa cultura.




Nelson Rodrigues (1967), fotografia em domínio público — Acervo do Arquivo Nacional.
Nelson Rodrigues (1967), fotografia em domínio público — Acervo do Arquivo Nacional.


Nelson Falcão Rodrigues nasceu em 23 de agosto de 1912, no Recife, mas foi no Rio de Janeiro, para onde se mudou com a família em 1916, que construiu sua trajetória como jornalista, romancista, cronista e, sobretudo, o mais influente dramaturgo do Brasil. Desde cedo, respirou jornalismo ao lado do pai, Mário Rodrigues, proprietário do jornal A Manhã, onde deu seus primeiros passos como repórter policial. Foi justamente no contato com crimes, dramas familiares e tragédias humanas que Nelson reuniu o repertório que mais tarde moldaria suas peças teatrais.


Sua estreia no palco aconteceu em 1941, com A Mulher Sem Pecado, mas foi dois anos depois que ele realmente revolucionou o teatro brasileiro. Em Vestido de Noiva (1943), Nelson apresentou uma ousadia inédita: três planos narrativos — realidade, memória e alucinação — se entrelaçavam na construção da trama, marcando um divisor de águas para a dramaturgia nacional. Pela primeira vez, o palco brasileiro se modernizava com estética e linguagem capazes de confrontar o público.


No entanto, Nelson não se limitava ao teatro. Em 1944, sob o pseudônimo de Suzana Flag, publicou Meu Destino é Pecar em capítulos no jornal O Jornal, explorando o romance popular e atraindo milhares de leitores. Pouco tempo depois, enfrentou sua primeira censura, em 1946, com a peça Álbum de Família. A ousadia em expor adultério, incesto e hipocrisia social o colocava constantemente em choque com a moralidade vigente.


Em 1951, estreou uma das colunas mais marcantes da imprensa brasileira: A Vida Como Ela É, publicada no jornal Última Hora. Ali, em pequenos textos, Nelson escancarava as mazelas da classe média carioca, transformando o cotidiano em literatura popular e inesquecível.


Os anos 1960 e 1970 trouxeram mais polêmicas. Em 1966, seu romance O Casamento foi censurado pelo regime militar, e ironicamente, poucos anos depois, ele próprio foi atingido pelo autoritarismo que dizia apoiar, quando seu filho foi preso por envolvimento com a luta armada. A partir de 1967, Nelson passou a escrever também crônicas de caráter memorialístico para jornais como Correio da Manhã e O Globo, refletindo sobre a sociedade com sua verve crítica.


Nelson Rodrigues morreu em 21 de dezembro de 1980, no Rio de Janeiro, deixando uma obra extensa e polêmica. Sua escrita, marcada pela ironia, pelo grotesco e por diálogos que expunham adultérios, crimes, desejos e contradições, não apenas revolucionou o teatro, como também ofereceu ao Brasil um espelho incômodo e necessário.


O “Anjo Pornográfico”


O apelido de “Anjo Pornográfico” traduz bem sua persona literária. Para Nelson, o ser humano era movido por paixões, pecados e hipocrisias, e não havia tabu que não pudesse ser colocado em cena ou em suas crônicas. Ele acreditava que apenas mostrando a “vida como ela é” seria possível desvendar a verdadeira alma brasileira.


Mesmo décadas após sua morte, Nelson Rodrigues permanece atual e indispensável. Suas obras continuam a ser encenadas, seus textos são relidos e suas frases, muitas vezes provocadoras, ainda circulam como verdades desconfortáveis. Mais do que dramaturgo, ele foi um intérprete do Brasil profundo — aquele que preferimos esconder, mas que ele nunca se cansou de revelar.

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