Martim Cererê: o coração alternativo da cultura em Goiânia
- Simão Pereira Aguiar

- 24 de jul.
- 4 min de leitura
Atualizado: 26 de jul.
O Centro Cultural Martim Cererê é símbolo vivo da resistência criativa em Goiás. Seguimos juntos, valorizando quem faz cultura com garra, coragem e inventividade. Do seu passado obscuro à explosão de expressões artísticas que hoje tomam seus palcos, o Martim segue firme um marco de transformação cravado no coração de Goiânia.

Em meio ao concreto da capital goiana, entre as curvas do Setor Sul, pulsa um espaço onde o grito das artes ecoa há mais de três décadas. O Centro Cultural Martim Cererê não é apenas um prédio — é um símbolo de resistência criativa, um palco para vozes de vários gêneros culturais artisticos, um ponto de encontro de tribos, ideias e sonhos.
De reservatório de água à Teatro
Construído originalmente como reservatório da rede de abastecimento de água da cidade, o conjunto de estruturas cilíndricas foi adaptado na década de 1980 para abrigar um centro cultural. O nome “Martim Cererê” é uma homenagem à obra do poeta modernista Cassiano Ricardo, que exalta o mito do brasileiro — uma metáfora perfeita para a diversidade que ocupa o espaço até hoje.
O lado obscuro da história do Martim Cererê
Antes de se tornar um palco de liberdade artística e expressão cultural, o terreno onde hoje funciona o Centro Cultural Martim Cererê guarda memórias sombrias — e controversas. Os enormes reservatórios cilíndricos de concreto, que hoje abrigam teatros e eventos, já foram, segundo moradores antigos da região, palco de algo muito diferente.
Durante os anos de chumbo da ditadura militar brasileira (1964–1985), há relatos não confirmados de que o espaço — então desativado e isolado — teria sido utilizado como local de repressão e tortura. Dizem moradores da redondeza que, durante as madrugadas frias, era possível ouvir gritos abafados vindos de dentro das estruturas, que hoje são símbolo de resistência artística.
Segundo essas histórias, presos políticos teriam sido jogados nas caixas d’água cheias de fezes, ratos e impurezas, expostos ao frio e ao abandono. Era uma forma de castigo psicológico e físico. Nunca houve uma investigação oficial que confirmasse esse uso do espaço, e autoridades da época negaram repetidamente qualquer ligação entre o local e práticas de tortura.
Mas o silêncio — e o medo — que cercavam a época mantiveram essa narrativa viva apenas como uma lenda urbana. Uma história mal contada, passada de boca em boca, que se misturou ao concreto das paredes e ao peso da memória coletiva.
Hoje, o Martim Cererê representa justamente o oposto do que essas histórias sugerem: ele é palco de vozes que não se calam, de corpos livres e de ideias em movimento. Talvez, mais do que nunca, ele simbolize a força da arte em ocupar — e transformar — os espaços que antes pertenciam ao medo.
Berço do rock goiano
Nos anos 1990, o Martim tornou-se um reduto do rock alternativo e da contracultura. Bandas como Mechanics, Boogarins e Carne Doce encontraram ali seu palco, muito antes de ganharem o país. Os festivais independentes fervilhavam, e a arquibancada ao ar livre se transformava em espaço democrático de ideias, poesia e resistência.
Muito além de servir de palco para bandas alternativas e populares de Goiânia, o Martim Cererê foi — e continua sendo — um dos principais berços da cena underground do Brasil. Por lá passaram nomes importantes do punk, grunge, metal, hardcore, death metal, grindcore e tantas outras vertentes da música pesada e experimental.
O espaço também foi fundamental para o surgimento e fortalecimento de festivais independentes que marcaram época na capital goiana, como Goiânia Noise, Vaca Amarela, Grito Rock e Bananada — encontros que colocaram Goiânia no mapa da música alternativa nacional.
O Martim não apenas recebeu essas bandas e movimentos: ele ajudou a moldar uma identidade cultural autêntica, ruidosa e resistente, que até hoje reverbera em palcos de todo o país.
Um símbolo que resiste
Mesmo tendo enfrentado longos períodos de descaso, falta de investimentos e interdições por problemas estruturais, o Centro Cultural Martim Cererê segue firme — resistente como sua própria história. Sua sobrevivência não se deve ao acaso: foi a mobilização incansável de artistas, coletivos independentes e o apoio da Secretaria de Cultura de Goiás que manteve esse símbolo de pé.
Em 2024, o Martim Passou por mais um investimento público permitiram o início de reformas e a retomada gradual da sua programação, reacendendo a chama de um espaço que nunca perdeu seu valor afetivo e cultural.
Hoje, mais do que palco para apresentações artísticas, o Martim Cererê abriga oficinas de escrita criativa, música, audiovisual, encontros entre produtores culturais e ações formativas que fortalecem a base da cultura independente em Goiás.
E não há, em todo o Brasil, um teatro como esse. Transformado de uma antiga caixa d’água em espaço cultural, o Martim é a prova viva de que a arte é capaz de ocupar, reinventar e dar alma ao que antes era apenas concreto, uma caixa vazia e abandonada. Hoje, o que se ouve ali são vozes, gritos, poesia, batuques, riffs e ideias
Com sua estrutura circular e acústica, o Martim Cererê não apenas acolhe — ele envolve. É um espaço que convida o público a fazer parte da cena, e o artista a mergulhar fundo na entrega.
Mais que um centro cultural, o Martim é um templo urbano da liberdade criativa.
Confira o documentário que mergulha na história viva do nosso Martim Cererê
Longa metragem dirigido por Pedro Fernandes, sobre o Centro Cultural Martim Cererê em Goiânia. Projeto aprovado no edital de Audiovisual da Lei Aldir Blanc 2021.
Serviço – Como visitar
Endereço: Rua 94-A, nº 415 – Setor Sul, Goiânia – GO
Horário de funcionamento: Segunda a sexta, das 9h às 18h (eventos noturnos e aos finais de semana conforme programação)
Entrada: Gratuita em grande parte dos eventos
Instagram oficial: @martimcerereoficial










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