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SEU MAGNO, RECICLANDO O CRIMEIA

Atualizado: 8 de dez. de 2023

Magno Cavalcante dos Santos - Seu Magno - Nascido em Barreiras na Bahia em 06-10-1916.

Chegou ao Crimeia Leste na década de 60. Esta entrevista foi realizada em abril de 2012 quando seu Magno caminhava para os seus 96 anos. Hoje, obrigado a parar de trabalhar depois de um acidente, caminha com alegria para os seus 106 anos.


Sempre que posso, paro em frente a sua casa na Crimeia Leste onde costuma tomar sol de manhã para bater um dedo de prosa com ele, como ocorreu semana passada (Veja vídeo no final da entrevista) . Quando o entrevistei há 10 anos atrás, vi aquele senhor franzino mas cheio de vida, caminhando pela então Avenida Fuad Rassi e puxando com alegria o carrinho enorme cheio de objetos recicláveis.


Me recebeu com um largo sorriso e soltou as mãos do carrinho para descansar. Iria entregar uma edição anterior do Jornal Crimeia e convidá-lo para uma entrevista, quando alguém me gritou, uma amiga minha. Aí deixei ele parado no sol quente, era meio dia acho, e fui lá dar um abraço nela. Quando olhei para trás, Seu Magno tinha retomado o trabalho e descia de forma rápida pela avenida. Aí corri lá, ele resistiu um bom tempo até parar de novo, e é claro, me deu uma lição de moral, até me conceder a entrevista. “Eu estava trabalhando, você me parou e me deixou aqui plantado, o jornal que você deu a ela, era o meu. Está errado. Isto não se faz, tem que respeitar quem respeitar quem está trabalhando”, dizia ele de cara fechada andando rápido com o carrinho de reciclável.


Me desculpei várias vezes. Ele caminhava disparado, franzino com o enorme carrinho. Aí, quando me desculpei mais uma vez, admiti o erro e falei para ele que era uma moça bonita que fazia tempo que não via…ele sorriu, ficou sério de novo, me deu uma dura outra vez, e me perguntou o que queria falar com ele. Ufa, entrevista resgatada e feita ali na hora no meio da avenida. Desde então ficamos amigos e sempre que paro na porta da casa dele para conversar um pouco e decido ir embora, ele fala. “Pra que pressa, vamos conversar mais”.


Jornal Crimeia - O senhor tem quantos filhos?


Seu Magno - 12 e lembro o nome de todos. Zé Catulo, Neuraci, Davi, Conceição, Senhorinha, Carminda, Carlos, Romancina, Josélia, Matilde, Joanita e Nilva. Ainda achei pouco. Queria ter mais. Fui casado só uma vez, durante 25 anos, a minha esposa morreu no dia 06 de junho de 1966.


Jornal Crimeia - O senhor tá com uma memória boa né, e a saúde como tá?


Seu Magno - Aqui em cima tá tudo jóia. Embaixo virou correia (risos).


Jornal Crimeia - Há quanto tempo o senhor trabalha com recicláveis?


Seu Magno - Há 15 anos. Fui lavrador, pedreiro e hoje sou papeleiro. Sou feliz. A melhor coisa que faço hoje é isso aqui. Aqui você tá colhendo. Você planta o que colhe. o Cupim mata, o sol mata, quando você não cuida e colhe no tempo certo. Trabalhando como pedreiro tinha que aguentar o mestre de obras enchendo o saco da gente. Aqui não, trabalho do jeito que quero.

A melhor coisa que me aconteceu nesta fase da minha vida foi este trabalho. Reciclagem. Ganho o meu dinheiro e contribuo com o meio ambiente. Sou um cara feliz.

Com 95 anos e seis meses, arrasto este carrinho pelas ruas do Crimeia com a felicidade de estar trabalhando. Sou um cara milionário na vida. Tenho saúde graças a Deus.


Jornal Crimeia - Quando o senhor chegou ao Crimeia?


Seu Magno - Em Goiânia no dia 28 de de agosto de 1950.


Jornal Crimeia - Quantos anos o senhor tinha?


Seu Magno - (Impaciente). Hora, é só fazer as contas sô, já não te dei a data de nascimento. Você parece que tá ruim da cabeça. De 1950 pra cá são 60 anos de Goiânia e 50 de Crimeia. Aqui era tudo mato. Era tudo fazenda do Solon. Entendeu (pega o carrinho e tenta ir embora, diz que tem que trabalhar, que já perdeu muito tempo comigo). Você já gravou muita coisa, tá bom né (risos).


Jornal Crimeia - Pera aí seu Magno, vamos conversar um pouco mais. Quantos netos os senhor tem?


Seu Magno - Netos e bisnetos, para contar só tomando umas…só na bebida.


Jornal Crimeia - Como assim, Seu Magno, não entendi.


Seu Magno - Como não entendeu. Só na bebida sô. É muito para contar e na memória fica difícil, tem que anotar. Precisa estar todo mundo reunido para contar (risos).


Jornal Crimeia - O senhor é feliz então?


Seu Magno - Sou feliz. Sou um cara feliz. Esse povo de hoje não sabe nem fazer filhos. São muito moles

(dá uma gargalhada e arranca com o carrinho lotado de papel. Vou atrás tentando continuar a entrevista).


Jornal Crimeia - Espera aí seu Magno. Me contaram que uma vez tentaram tirar o carrinho do senhor. Queriam que o senhor parasse de trabalhar devido a idade. Falavam também que o senhor estava sendo explorado.


Seu Magno - (sem parar) Teve isso não. Teve um problema na Secretaria da Fazenda, perto da pecuária. Eu pegava papel lá. Aí uma pessoa que queria ficar com o material, quis proibir. Fizeram até abaixo assinado para tirar eu de lá. Mas não conseguiram. O meu cunhado também queria arrumar uma bolsa do governo para que eu pudesse parar de trabalhar. O meu filho e eu fomos contra. Eu não queria aceitar porque queria trabalhar. A bolsa também era muito pouca. Ganhava mais catando material reciclável. Mas, na verdade, não queria parar de trabalhar. Entendeu!?


(Se despede e dá uma acelerada. Fico ali parado, pensando na vida, vendo aquele senhor franzino e seu carrinho cheio de material reciclável, cheio de vida, desaparecer na avenida).


Seu Magno, entrevista recente - Maio de 2022.

Apresentação:




“Este projeto foi contemplado pelo Edital de Arte nos Pontos de Cultura Aldir Blanc - Concurso nº 02/2021-SECULT-GOIÁS – Secretaria de Cultura - Governo Federal".



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