RESGATE DO JORNAL CRIMEIA
Na plataforma #entocados de hoje vamos trazer três textos publicados no Jornal Crimeia em agosto de 2016, mês da morte do querido padre Sergio Bernardoni, uma pessoa dedicada à luta por um mundo melhor e que sempre tinha uma palavra de incentivo para aqueles que estavam passando por algum tipo de problema. Sua história no Crimeia Leste e região é longa e está presente na memória de muitos. Seus olhos sorriam com um brilho intenso quando via uma atitude bonita de um ser humano. Os textos de Sinval Félix, Marcelão Bernardes e Carlos Pereira, carregados de emoção, trazem nas lembranças as grandiosas ações de padre Sérgio em prol de uma vida melhor para todos. Boa leitura! Como diria padre Sérgio: “Coragem! Coragem!!!"
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AMIGOS DÃO ADEUS A PADRE SERGIO BERNARDONI
Texto: Sinval Félix
Padre Sergio Bernardoni nos deixou e foi ajudar em um plano superior. Com certeza já está procurando algo para fazer, pois não dá conta de ficar parado. Com a sua passagem perdemos não só a sua presença firme e iluminada, mas também a sua inesgotável vontade de ajudar o próximo. É um exemplo a ser seguido para os futuros cidadãos da nossa região. Não sei como seria a nossa história se ele não estivesse dado muitos anos de sua vida à comunidade do Criméia Leste e Região.
O Terço dos Homens perdeu o seu criador, mentor e incentivador, multiplicando em muito a responsabilidade de seus membros com a continuação do grupo de oração que vem crescendo a cada nova reunião. A creche Bem-Me-criados Quer, A produtora Cara Vídeo e tantos outros projetos, criados pela cabeça deste italiano, mais brasileiro do que muitos nascidos aqui, mudaram a vida de milhares de crianças, jovens, mulheres, estudantes, moradores de ruas e idosos. Uma perda sem tamanho para todos.
Quem proseava com Sérgio sabia que o conteúdo da conversa valia por horas de terapia. Era sabido por todos que ele mais ouvia, mas quando falava, as palavras atingiam o objetivo e o ouvinte sempre levava o que vinha buscar: a paz, um caminho, um norte. Com sua fé ecumênica, reuniu amigos de várias denominações religiosas em torno de uma procura de um mundo mais humano e igualitário. Era diferenciado, corajoso, persistente e um homem de serviço dos filhos e filhas de Deus.
Padre Sérgio sempre me tratou com carinho e, em todas as conversas que tivemos, tentava me orientar sobre tudo, da política à minha saúde. Participou ativamente do movimento pró-mudança da pecuária. Não aceitava a permanência eterna do sempre presente Cassiano à frente da Associação dos Moradores do Crimeia Leste. Perdi mais que um amigo. Perdi um exemplo. Se com a volta da Irmã Hernandez para a sua terra natal, nas ilhas Canárias, Espanha, eu perdi uma mãe espiritual, com a sua morte, perdi um pai.
Padre Sérgio foi o nosso personagem principal da edição número um do Jornal Crimeia (janeiro de 1995) Ele voltou em outras duas ocasiões, todas com enorme repercussão. Também escreveu vários artigos, não só sobre a sua igreja, mas sobre todos os problemas que afligem nossa comunidade. Tivemos o maior orgulho de publicar suas ideias neste 21 anos de circulação do nosso jornal. Só tenho a agradecer ao padre Sérgio Bernardoni. Muito obrigado amigo, sua missão foi cumprida com louvor. Pode descansar em paz, você merece. Nosso pêsames `família e que Deus conforte à família;
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QUERIDO MESTRE
Texto: Marcelão Bernardes
Padre Sergio Bernardoni nasceu em Arezzo, na Itália, em 1930. Foi ordenado padre na diocese de sua cidade natal em 1953 e deixou o ministério em 1987. Padre Sérgio era muito ativo no MFPC de Goiânia e nacional. Sempre filmava os Encontros Nacionais dos Padres Casados, desde 1998 em Brasília. Foi um dos signatários de uma carta ao papa João Paulo II, solicitando a possibilidade de os padres casados, que assim o desejassem, pudessem voltar a exercer o ministério.
Querido mestre Sérgio. Lhe trago recados de muitas pessoas. Houve quem praticou uma boa ação e mandou dizer-lhe que fez porque o exemplo do senhor o convenceu. Houve alguém que venceu na vida, porque suas ações o influenciaram. Houve quem conseguiu superar a dor, porque a lembrança da tua coragem o guiou. Por isso seu trabalho foi nobre, em união, fé e missão. E a sua preocupação se esbarrava no seu sorriso quando dizia: “Coragem, coragem!!!”
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ATÉ MAIS PADRE SERGIO, NOS ENCONTRAMOS POR AÍ, EM OUTROS PLANOS
Texto: Carlos Pereira
Estive com Padre Sergio no mês de julho de 2016, cerca de um mês antes da sua morte. Era um sábado de manhã. Resolvi distribuir o jornal Criméia de bicicleta pelo bairro onde moro há 50 anos, o Criméia Leste, onde também Padre Sérgio passou uma vida inteira dedicada à luz, à luta com seus projetos sociais e o incentivo à produção audiovisual com a saudosa produtora Cara Vídeo.
Aí passei no Seu Moacir (cronista do jornal) pai do Junin, do Paulim e do Fafau do sebo Hocus Pocus que também moram no bairro. Me veio à mente então o querido Padre Sérgio que morava próximo. Entrei no condomínio, a casa dele era a última. Bati na porta. Ele me atendeu lentamente com um sorriso doce e dolorido, mas cheio de vida, mesmo já próximo à iminente morte por um câncer que corroía o seu corpo.
Me chamou para entrar na casa e sentar no sofá. Conversamos amenidades. Ele me disse que a vida dele era ali agora, de frente para a TV. Não tinha forças pra fazer muita coisa. Após uma propaganda falou que gostava de ver a novela rural, na época, “Êta Mundo Bom”, por causa da sua simplicidade, de lembrar das coisas da roça. Era, naquela situação de fragilidade física e emocional, o seu principal passatempo diante da iminente morte.
Entreguei a ele o jornal Criméia que tratava da 5ª edição do Festival Juriti de Música e Poesia Encenada que a gente estava organizando. No jornal tinha também uma crônica minha que falava dele e de outras figuras do Criméia Leste que contribuíram com ações culturais para Goiânia e para o estado de Goiás. Conversamos, rimos...foi um encontro mágico, dolorido e lindo...daquelas coisas de Deus.
Não tocamos e não falamos sobre a doença que corroía a sua vida. Naquele momento isto estava proibido. Decidimos isto no olhar. Senti que ele estava mudando de plano, que não queria mais falar da sua rica história...ele fez questão de deixar isto claro quando lhe falei que eu e o Sinval, (meu companheiro de jornal que também partiu no ano passado), queríamos entrevistá-lo. Sorriu, não disse nem que sim nem que não. Só disse que andava sem forças, cansado, que depois iria ver.
Vou me lembrar sempre do sorriso dele com os olhos marejados. Ele olhou pra mim com muito carinho e mudou de plano. E disse, com um largo sorriso sincero e forçado para este sujeito estabanado: "ê menino...você continua por aí arrancando galhos de árvores?" É que ele lembrou do dia em que me emprestou a kombi da igreja pra que eu fizesse um carro volante de um evento da parceria que tínhamos, o Centro Social Cidadania Plena, gerido por ele, e a entidade que integrava na época, a ONG Criméia Resistência Comunitária.
As duas entidades atuavam juntas no Centro Social Cidadania Plena (casa da antiga produtora da Cara Vídeo no Criméia). Eu não tinha experiência em dirigir um carro maior e mais alto que um Ford k (o carro que tinha na época) e ainda tinha o som em cima da Kombi. Deu no que deu...saí arrancando galhos de árvores por aí. Contei pra ele que fui salvo pelo Nilvon da Agência Batista de bicicletas, um evangélico fervoroso que soldou as ferragens na Kombi de novo. Ele gostou.
Me lembro como se fosse agora quando mostrei a ele o carro volante que gravei e rodei pelo bairro, para divulgar um evento do Dia das Crianças, que estávamos fazendo em parceria. A gravação, tendo como fundo a bela música de Milton Nascimento e Fernando Brant: “Bola de meia, bola de gude, o solidário não quer solidão. Toda vez que a tristeza me alcança, um menino me dá a mão”. Ele sorria com a doçura de uma criança sem maldade nenhuma no coração. Padre Sérgio era assim, sempre trazia o menino que existe em mim.
Me olhou com aquele olhar severo doce, pra cruz no meu peito doada por ele quando fui em uma reunião do terço dos homens (grupo de oração que Padre Sérgio criou) e disse naquele tom severo doce: você nunca mais voltou no terço...tem que ir mais...tem que participar. Aí sorrimos, dei a ele outros jornais que tinha, que falavam do Festival Juriti, um de Senador Canedo e o Diário da Manhã. Ele agradeceu, despedimos e, não querendo ir, fui embora com aquela sensação estranha de que talvez esta fosse a última vez que nos encontraríamos neste plano. E foi.
Até uma dia qualquer Padre Sergio. Tenho certeza que ainda nos encontraremos em outro plano. Sempre com a mesma vontade de fazer coisas boas, de buscar luz onde há trevas. De sempre fazer algo para que o sorriso sobressaia sobre a dor, que a verdade sobressaia sobre a mentira e que a solidariedade seja a principal e única arma do ser humano. Beijão no seu grande coração.
Este artigo teve a 1ª versão há 3 anos atrás, no dia 30 de agosto de 2016, quando acordei em um hotel em Paraúna, onde estava trabalhando, e recebi, pelo Whats App, a notícia da passagem do querido Padre Sergio.
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Apresentação:
“Este projeto foi contemplado pelo Edital de Arte nos Pontos de Cultura Aldir Blanc - Concurso nº 02/2021-SECULT-GOIÁS – Secretaria de Cultura - Governo Federal".
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