A plataforma #entocados de resgate do Jornal Crimeia traz hoje a história da tradicional Feira da Marreta que funciona aos domingos, já há bastante tempo, em frente ao Parque Agropecuário de Nova Vila. No local, dizem uns e outros, se encontra de tudo, até dentadura usada. Hoje, devido à crise, a feira cresceu e abraçou a Pecuária. A matéria foi publicada na edição de dezembro de 2017 no Jornal Crimeia. O crimeieinse Paulo César Oliveira, o Paulim, irmão do Junim e Fafau da Hocus Pocus, então estudante de Ciências Sociais na UFG, proprietário da livraria Avalon e que vendia livros na feira da Marreta, resolveu fazer um estudo sociológico desde a sua criação. Com o título Pesquisa Etnográfica – Feira da Marreta, Paulo traça um perfil do público e dos feirantes que atuam no local vendendo todo tipo de objetos para complementar a renda. Conta como ela teve início e porque, ao contrário do que muita gente pensa, ganhou a alcunha de Marreta. Em tempo, Paulim é filho do seu Moacir que teve uma de suas histórias publicadas no Jornal Crimeia inserida na edição passada da plataforma #entocados da A Toca Coletivo.
A FEIRA DA MARRETA E SEUS PRIMÓRDIOS
Carlos Pereira
O empresário crimeiense do setor de Livros, Paulo César Oliveira Assunção, proprietário da Avalon Livraria, estudante do curso de Ciências Sociais da UFG, fez um estudo sobre o perfil dos feirantes e do público da Feira da Marreta que, já, há mais de quinze anos, funcionando aos domingos de manhã no estacionamento em frente ao Parque Agropecuário de Nova Vila. Paulo César que frequenta a Feira da Marreta desde criança quando ela funcionava na Praça Boaventura na Vila Nova, vende livros no local há dez anos. Com o título Pesquisa Etnográfica – Feira da Marreta, Paulo traça um perfil do público e dos feirantes que atuam de forma legal no local, conta como ela teve início e porque, ao contrário do que muita gente pensa, ganhou a alcunha de Marreta.
“Nos primórdios de Goiânia, segundo relatos de vendedores mais antigos, a feira começou com funcionários públicos, cujos pagamentos de salários atrasavam por meses. Iam à praça vender objetos de casa que não usavam mais, para obterem algum dinheiro e comprarem o que faltava em casa. Panela velha, ferramentas, roupas usadas eram os objetos mais encontrados na feira. Das ferramentas, o que sobrepunha mais era a marreta, daí a origem do nome, “Feira da Marreta”. A partir daí, conta Paulo, a feira cresceu, se ampliou e se multiplicou, comercializando todo tipo de mercadoria e acabou também, no futuro, sendo utilizada por pessoas vendendo objetos furtados, principalmente celulares e notebooks, o que uma vez ou outra transforma a feira em caso de polícia que faz batidas no local. Mas esta questão não faz parte do Estudo que tem o único objetivo de traçar o perfil do público e dos feirantes que, assim como ele, atuam de forma legal na Feira que não é específica de Goiânia e existe também em outras cidades e países com nomes diferentes, afirma Paulo.
Primeira vez como feirante
De frequentador assíduo até a sua juventude, onde comprava tênis usados, revistas em quadrinhos, jogo de botão, roupas usadas e outras bugigangas, Paulo conta que passou a feirante de vendedor de livros e revistas na Feira da Marreta a partir de 2007. “Vendo livros há vários anos e a feira abasteceu meu estoque com bons livros e bons preços. Fiz amizade com vários papeleiros, eles achavam livros na rua e os vendia para mim. Lembro-me do meu primeiro dia como feirante, em 2007. Tinha bastantes revistas, e precisava vendê-las. Um antigo fornecedor de livros me cedeu um metro de seu ponto para que eu pudesse vender e logo no primeiro dia houve confusão de feirantes por espaços, mas a turma do deixa disso amenizou a situação e continuo na Feira até hoje”, conta Paulo. Ele afirma que de vez em quando tem confusão na Feira e a venda de produtos ilegais é uma realidade, mas tem também amizade e muita gente boa que trabalha de forma honesta e sempre disposta a ajudar algum companheiro quando há algum problema.
Perfil atual
Paulo conta no estudo que de um tempo pra cá, devido à crise financeira, houve um inchaço na Feira, mas a dinâmica continua a mesma, tendo a venda todo tipo de mercadoria nova e usada: sucatas diversas, objetos dos ferros-velhos e papeleiros, bicicletas, livros, revistas, componentes de informática, objetos domésticos, enfim tudo aquilo que pode ser reutilizado e comercializado de acordo com a cabeça e a necessidade do feirante nas diversas alas, além é claro, do setor de alimentação que também compõe a Feira da Marreta.
Funcionamento
No estudo, Paulo descreve que a feira da Marreta se inicia na madrugada de domingo, a partir das 3 horas que é quando começam a chegar os primeiros feirantes. Depois o burburinho vai aumentando com gente chegando de todo lado com as suas bugigangas. Os feirantes mais antigos se ajudam e buscam delimitar as suas áreas para que os que não tem ponto invadam seus espaços. Estes invadem os corredores e espaços vazios e, aos gritos, tentam vender o seu peixe, ou melhor, o seu objeto usado. É assim, de acordo com Paulo, que a feira, dividida em várias alas, vai se formando naquela bagunça organizada cheia de bugigangas de todo tipo que você possa ou não imaginar. O perfil socioeconômico do público é classe média baixa e baixa, 90 por cento de homens. Circulam pela feira cerca de 10 mil pessoas todo domingo, movimentando cerca de quinhentos mil reais e grande parte dos feirantes utiliza a feira como uma fonte alternativa de renda.
“A maioria dos feirantes da Feira da Marreta têm outras atividades durante a semana. Um açougueiro no dia-a-dia é vendedor de antenas no domingo; um professor vende peças de bicicleta; um dono de bar vende ferramentas; uma aposentada vende roupas usadas. A maioria dos vendedores é composta de homens, 60%. A faixa etária é de 30 a 40 anos. Cada vendedor faz um laço de amizade com os outros vendedores que estão ao seu redor, formando um elo. Este elo é que faz a feira funcionar e ter suas próprias regras. O vendedor pode até vender coisas profanas, mas seu ponto é sagrado. O seu espaço é respeitado e mantido mesmo quando ele se ausenta, pois seus vizinhos, aqueles que fazem parte do elo, não deixam ninguém invadir seu território. Não tem órgão que a fiscaliza. Tem uma associação, mas ela é só decorativa. A polícia só entra na feira quando tem alguma denúncia de algo errado ou de alguma briga, ou confusão. A Feira da Marreta é autogestora, tem suas próprias regras, e sua própria dinâmica. É uma feira que não é vista com bons olhos pela sociedade, e a reciprocidade é verdadeira. A sociedade não paga os boletos, a feira sim!”, conclui Paulo no estudo.
Objetos diversos e alimentos
A feira, que é dividida em vários quadrantes, tem hoje de 800 a 1.000 comerciantes. Nos quadrantes A01 e A02 ficam os papeleiros, donos de ferro velho, pessoal dos depósitos de papel e os associados das cooperativas de recicláveis. Os produtos vendidos nesses quadrantes são predominantemente sucatas. Vendem placas mães, livros, sacolas, rolos de papéis, pedaços de fios elétricos, latas de tinta pela metade, carregadores de celulares antigos, bonecas usadas, brinquedos de criança, parafusos, chaves de roda, chaves de fenda, chaves inglesas, ferramentas em geral. Têm também roupas usadas, armarios de aço, bebedouros de água, cones de sinalização, óleos de motores, livros didáticos, livros de romances, enciclopédias, agendas de anos anteriores, porta retrato, álbum de fotografias com fotografias de alguém que nunca veio à feira, caneca de chope do tempo que se fazia festivais de chopp, andador de criança, mochilas usadas, sapatos, chinelos, botas, coturnos, rádios antigos, maçanetas de porta, janelas de aço, capas de celulares antigos, manequim manetas e pernetas, tem também manequins inteiros, urso de pelúcia gigante, rodas de bicicletas, rodas de motos, rodas de carros, pneus recapados, balanças desreguladas, , luminárias incompletas, bicicletas ergométricas, pincéis de pintura, etc.
Nas Áreas B01 e B02 os produtos vão ficando mais “qualificados”. São de melhores qualidades. Encontra-se nesta área plantas ornamentais, mudas de hortaliças, meias e cuecas novas vendidas por dúzias, camisetas, calças jeans, chopp no copo, facas, amoladores de faca, cortadores de legumes, barras de chocolates, alimentos enlatados e embutidos, guarda chuvas, caixa de latinha de cervejas ou refrigerante a vencer a data de validade ou já vencida, notebooks restaurados e com garantia, notebooks restaurados e sem garantia, relógios de pulso importados do Paraguai, brinquedos eletrônicos novos sem garantia, lanterna, vara de pescar, molinetes, rolos de fios elétricos, óculos de grau e de sol, rádios novos, vestidos, blusas de frio, ventiladores “com garantia”, antenas de TV, livros novos e usados. Esses produtos novos, vendidos nesta área são, geralmente, produtos vencidos ou a vencer, produtos de ponta de estoque de lojas, produtos frutos de compra de leilões.
Na Área C01 funciona o mercado de celulares. As pessoas levam celulares para negociar nesta área. Ficam em pé, não têm ponto, lembra um mercado de ações, as pessoas negociam no grito ou desfilando seus produtos na mão. Ao redor deste mercado ficam pequenas bancas vendendo capas de celulares, baterias, fones de ouvido, carregadores portáteis e comuns, chips de operadoras, pen drives, cartões de memórias, películas de celulares. Enfim, tudo que é relacionado com celulares é comercializado neste mercado.
Na Área C02 fica a área de alimentação. Encontra-se ali pastéis, biscoito frito, pães de queijo, garapa, churrasquinhos assados na brasa ou fritos na chapa, churrasco grego com pão, salgados fritos, salgados assados, cervejas, refrigerantes, cachaças, bolo no pote, vitaminas de frutas, suco de laranja, água de coco verde, coco maduro, banana, melancia, abacaxi, mexerica, laranjas, abacates. As áreas D01 e D02 são consideradas áreas “nobres” da feira. São pessoas que estão há mais tempo no local. Existe uma quantidade maior de sombra, que ajuda nas vendas, pois o ambiente fica mais arejado. O que é comercializado nestas áreas não se diferencia dos produtos dos feirantes das áreas B01 e B02.
Apresentação:
“Este projeto foi contemplado pelo Edital de Arte nos Pontos de Cultura Aldir Blanc - Concurso nº 02/2021-SECULT-GOIÁS – Secretaria de Cultura - Governo Federal".
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